Receita Federal restringe exclusão de subvenções do IRPJ e da CSLL
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal criou novos entraves para as empresas excluírem subvenções
de ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Em quatro
soluções de consulta, o órgão veda a retirada do crédito presumido dessa conta,
a partir do ano de 2024 - quando entrou em vigor a Lei das Subvenções (nº
14.789). O Fisco afirma expressamente que o precedente do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), favorável aos contribuintes, não se aplica para esse tipo de
incentivo fiscal.
O órgão também determina a necessidade de acréscimo patrimonial para excluir
os valores dos benefícios das bases dos tributos federais, em períodos anteriores
a 2024. A restrição não está abarcada pela tese do STJ nem pela Lei nº 12.973,
de 2014, que regula o IRPJ e CSLL, acrescentam especialistas. O entendimento
consta nas soluções de consulta nº 202, 216, 223 e 224 da Coordenação-Geral
de Tributação (Cosit) e vincula todos os auditores fiscais do país.
O tema da tributação dos incentivos fiscais é relevante para o Ministério da
Fazenda e foi alvo de várias alterações legislativas ao longo dos anos. A mais
recente foi a Lei das Subvenções, pela qual o governo federal vedou a exclusão
dos benefícios. Permitiu, em contrapartida, a apuração de crédito fiscal. Com a
medida, a Fazenda previu aumento de R$ 26,3 bilhões na receita anual.
Tributaristas entendem que os precedentes do STJ deveriam prevalecer mesmo
após a nova lei, sobretudo para o crédito presumido, pois o fundamento usado
está na Constituição. Lembram que, em 2017, os ministros da 1ª Seção vedaram
a tributação desse incentivo, pois violaria o pacto federativo (EREsp 1517492).
Em 2023, a 1ª Seção voltou ao assunto e entendeu que o julgado não poderia
ser estendido aos demais benefícios fiscais. Isso porque, no crédito presumido,
o governo estadual dá crédito ao contribuinte gerando acréscimo patrimonial.
Nos outros tipos, haveria desoneração - “benefícios negativos”.
Por isso, o STJ determinou que, para afastar a cobrança nos outros tipos de
subvenção, deveriam ser cumpridos determinados requisitos, previstos no
artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014 (Tema 1182). A decisão foi dada em
repetitivo, ou seja, deveria ser cumprida por todo o Judiciário. Mas após o
julgamento, veio a nova lei vedando qualquer tipo de exclusão e, agora,
interpretações mais restritivas da Receita.
Sobre crédito presumido, a Cosit diz que “para os fatos geradores ocorridos a
partir de 1º de janeiro de 2024, ante a ausência de previsão legal, não é mais
autorizada a exclusão do lucro real das receitas decorrentes de subvenções
governamentais para investimento, inclusive as decorrentes de incentivo fiscal
de ICMS outorgado na modalidade de crédito presumido”.
Nesse caso, a dúvida foi de uma empresa de abate de bovinos com crédito
presumido de ICMS de 7%. Ela perguntou se o precedente do STJ de 2017
prevalecia após a nova legislação. Em resposta, a Receita afirma que a decisão
da Corte foi tomada “em contexto normativo distinto”, não vinculante. E que
o órgão não estaria obrigado a cumpri-la, pois não há parecer da Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nesse sentido.
“Por não ter sido proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos e por se
referir à análise legislação revogada, o entendimento firmado no EREsp nº
1.517.492/PR não pode ser automaticamente aplicado (...) relativamente aos
fatos geradores ocorridos após a entrada em vigor da Lei nº 14.789, de 2023”,
diz.
Já em relação ao acréscimo patrimonial, a fiscalização afirma que “para a
exclusão da parcela integrante do lucro líquido do período de apuração é
fundamental que tal valor corresponda ao acréscimo patrimonial
proporcionado pela receita correspondente às transferências de recursos
qualificadas como subvenções para investimento”.
A consulta foi feita por uma varejista de veículos automotores do Rio de
Janeiro, que tinha redução da base de cálculo de ICMS. Ela questionou se
poderia fazer a exclusão respeitando os outros requisitos do artigo 30 da Lei nº
12.973, como usar os valores para expansão e compor reserva de lucros.
Na visão de especialistas, o posicionamento do Fisco já era esperado e está em
linha com o que a PGFN defende no Judiciário. Mas a restrição do acréscimo
patrimonial é nova. “Existe precedente do STJ em recurso repetitivo que não
estabelece a exigência de acréscimo patrimonial”, diz o advogado Renato
Silveira, sócio do Machado Associados.
Ele acrescenta que “essa condição imposta pela solução de consulta afronta o
que o STJ decidiu”. “É mais uma atuação da Receita buscando restringir o
direito do contribuinte que, no caso, já foi reconhecido.”
O advogado Leandro Augusto Aleixo, sócio do AleixoMaia, afirma que o STJ
deixou bem claro, em 2023, que existiam dois tipos de subvenção, a grandeza
positiva e a negativa. Exigir comprovação de acréscimo patrimonial para os
benefícios de grandeza negativa - isenção, redução de alíquota ou base de
cálculo -, diz, contraria a decisão dos ministros.
Para Aleixo, o motivo do STJ distinguir as grandezas negativas foi a ausência
de acréscimo patrimonial. “Então como pode a Receita exigir esse requisito,
que jamais se conseguiria atingir?”, questiona. “A interpretação da Receita
esvazia a utilidade prática do que foi decidido no Tema 1182 do STJ e cria um
novo requisito”, acrescenta.
Já em relação ao crédito presumido, o tributarista entende que a Lei de
Subvenções não pode impedir a dedução. Isso porque a decisão da Corte levou
em conta a ofensa ao pacto federativo. “É um direito constitucional, que jamais
seria suscetível de ser afastado por lei ordinária ou ato interpretativo.”
Renato Silveira reforça que a jurisprudência tem sido favorável aos
contribuintes sobre crédito presumido. “Tenho visto de forma majoritária,
tanto em primeira instância quando no tribunal regional federal, que a discussão
jurídica é exatamente a mesma. As razões de decidir do STJ no EResp 157492
permanecem válidas também na vigência da Lei 14.789”, afirma.
Além das soluções de consulta publicadas, Aleixo lembra que as restrições da
Receita começaram com o Ato Declaratório nº 4, de 2024. Segundo ele, algumas
empresas já discutem a matéria, outras têm sido autuadas - mesmo com decisões
judiciais definitivas - por conta dessas interpretações do Fisco. “As empresas
que não ingressaram, teriam que entrar com ação e as que foram autuadas,
mesmo com trânsito em julgado que trate de pacto federativo, teriam que alegar
ofensa ao trânsito em julgado”, diz.
Os contribuintes também têm obtido decisões favoráveis sobre a lei nova no
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), segundo levantamento do
escritório. A discussão deve acabar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde
há ao menos quatro ações sobre o assunto (Tema 843, ADIs 7751, 7604, 7622).
No STJ, a nova legislação também será discutida (Controvérsia 576).
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que
a Lei nº 14.789 “instituiu uma profunda reestruturação no tratamento tributário
das subvenções governamentais”, o que corrigiu “distorções que encerravam
uma ficção jurídica que equiparava, indiscriminadamente, todos os incentivos
estaduais a subvenções para investimento”.
Para o órgão, a nova lei, ao criar o mecanismo de crédito fiscal, “estritamente
vinculado à comprovação do investimento”, assegura que o incentivo “seja
direcionado apenas a investimentos produtivos e verificáveis, promovendo
maior transparência e responsabilidade fiscal”.
Procurada, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.